A Sinfonia Invisível: Como o Microbioma Intestinal Orquestra o Estresse Através do Sistema Circadiano
Legenda: Os sistemas de estresse e circadiano estão interconectados através do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) para manter as respostas a estímulos externos. No entanto, os mecanismos que orquestram esses sinais ainda são desconhecidos. Aqui, revelam a microbiota intestinal como um regulador da ritmicidade do eixo HPA. A depleção microbiana perturba o transcriptoma e o metaboloma cerebrais nas vias de resposta ao estresse no hipocampo e na amígdala ao longo do dia. Isso está associado a uma disfunção do marca-passo circadiano no cérebro, resultando em uma ritmicidade glucocorticoide alterada. A hiperativação resultante do eixo HPA na transição sono/vigília provoca prejuízos específicos de horários na resposta ao estresse e em comportamentos sensíveis ao estresse. Finalmente, a transplantação da microbiota confirmou que as oscilações diurnas dos microrganismos intestinais estão na base da secreção alterada de glucocorticoides e que L. reuteri é uma cepa candidata para tais efeitos. Esses dados oferecem evidências convincentes de que a microbiota regula a resposta ao estresse de maneira circadiana e é necessária para responder de forma adaptativa aos estressores ao longo do dia.
Creditos da imagem: Tofani et al, 2024
O microbioma intestinal, muitas vezes visto apenas como um componente digestivo, emerge como uma peça central na modulação da resposta ao estresse humano através de seu impacto no sistema circadiano, conforme revelado no estudo de Tofani et al., publicado na Cell Metabolism em 2025. Este estudo inovador explora como a microbiota intestinal, composta por trilhões de microrganismos, regula o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) e, consequentemente, o ritmo circadiano de liberação de hormônios cruciais, como a corticosterona, que modula a resposta ao estresse.
O Microbioma como Regulador dos Ritmos Diurnos
No coração dessa descoberta está a relação entre a microbiota e os ritmos diurnos. Estudos anteriores mostraram que a microbiota exibe oscilações diárias que afetam a saúde metabólica, mas o impacto dessas oscilações na função cerebral era, até então, pouco compreendido. A equipe de pesquisa realizou análises metagenômicas para examinar padrões oscilatórios da microbiota intestinal e observou que as bactérias intestinais exibem picos específicos ao longo do dia. Essas oscilações influenciam diretamente os níveis de corticosterona no sangue, particularmente no período de transição sono-vigília, conhecido por ser um momento de pico natural desse hormônio.
Efeitos da Depleção Microbiana
Para entender melhor o papel regulador do microbioma, os pesquisadores usaram técnicas de depleção microbiana, incluindo tratamentos com antibióticos e modelos de animais sem microrganismos (germ-free, ou GF). Animais com microbiota reduzida ou ausente apresentaram uma perda de ritmicidade hormonal típica, como a modificação no pico de liberação de corticosterona para horários incomuns, afetando a resposta ao estresse. A ausência da microbiota também levou a mudanças nos ritmos moleculares do núcleo supraquiasmático (SCN), o “relógio-mestre” circadiano do cérebro, e áreas associadas ao estresse como o hipocampo e a amígdala. Esses animais exibiram níveis elevados de corticosterona durante a fase escura (ZT11), mostrando uma hiperativação do eixo HPA que prejudica a resposta ao estresse ao longo do dia.
Alterações na Atividade Gênica e Metabólica do Cérebro
Os efeitos no ritmo circadiano foram confirmados por análises de expressão gênica nas regiões cerebrais relacionadas ao estresse e ao ciclo circadiano. Observou-se que os genes do relógio biológico, como Bmal1, Clock, Cry2 e Per2, perderam sua ritmicidade normal no SCN e nas regiões límbicas, essenciais para a resposta ao estresse. A atividade metabólica do cérebro, especialmente a via do glutamato no hipocampo e na amígdala, também foi alterada pela ausência de microbiota. O glutamato, um dos principais neurotransmissores do cérebro, é fundamental na modulação da resposta ao estresse; níveis desregulados devido à ausência de microrganismos interferem na capacidade do cérebro de responder ao estresse de maneira adaptativa, causando uma resposta exacerbada ou inibida dependendo do momento do dia.
Impacto Comportamental e Resposta ao Estresse
A manipulação do microbioma também mostrou repercussões significativas no comportamento dos animais, especialmente no contexto de estresse social e ansiedade. No teste de interação social recíproca, ratos com microbiota reduzida ou ausente exibiram comportamentos alterados quando submetidos ao estresse em horários específicos, como menor tempo de interação social em comparação com animais controle. No teste de campo aberto, indicativo de ansiedade, os animais sem microbiota mostraram comportamento de maior aversão, sugerindo um aumento de comportamento ansioso. Estes comportamentos estão associados ao padrão alterado de liberação de corticosterona no início do ciclo ativo, o que impede uma resposta típica ao estresse nesses animais.
Intervenções Microbianas: Lactobacillus Reuteri e o Ritmo Circadiano
A equipe identificou que a bactéria Lactobacillus reuteri, uma cepa probiótica comum, desempenha um papel vital na regulação dos ritmos circadianos e na resposta ao estresse. Esse microrganismo foi um dos que mais apresentou amplitude rítmica no intestino dos animais. Ao transplantar a microbiota de animais tratados com antibióticos, com picos específicos de bactérias durante o ciclo de luz-escuro, os pesquisadores confirmaram que L. reuteri é capaz de elevar os níveis de corticosterona e influenciar o eixo HPA em horários específicos. Essa descoberta indica que cepas bacterianas específicas, ao serem manipuladas no intestino, podem influenciar diretamente a ritmicidade circadiana e a resposta ao estresse.
Relevância para Distúrbios Relacionados ao Estresse e Ritmo Circadiano
Os resultados deste estudo são fundamentais para entender melhor como a microbiota pode modular a saúde mental e o bem-estar. Transtornos relacionados ao estresse e à ritmicidade circadiana, como depressão e ansiedade, frequentemente apresentam desajustes hormonais e alterações no microbioma. O estudo indica um potencial terapêutico significativo em intervenções com probióticos, como L. reuteri, para restaurar o equilíbrio circadiano e melhorar a resposta ao estresse em humanos, especialmente considerando o aumento dos distúrbios circadianos e de estresse na sociedade moderna.
Limitações e Caminhos para Pesquisa Futura
Embora este estudo represente um avanço na compreensão das interações entre microbioma, sistema circadiano e resposta ao estresse, ainda há desafios. Questões como os sinais microbianos específicos que modulam o eixo HPA, como esses sinais alcançam o cérebro e como modulam áreas do sistema de estresse no nível molecular e metabólico permanecem em aberto. Pesquisas futuras poderão investigar a aplicação desses achados em humanos, avaliando diferentes contextos geográficos, dietéticos e de estilo de vida.
Em suma, este trabalho destaca a importância da microbiota como regulador central dos ritmos hormonais e comportamentais, sugerindo novos caminhos para intervenções terapêuticas que possam tratar distúrbios do estresse e do ritmo circadiano ao abordar o eixo intestino-cérebro e seu impacto global na saúde humana.
Gut microbiota regulates stress responsivity via the circadian system
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